A dor e a delĂcia de ser um colecionador de perfumes
30 jul 2025
Atualizado em 30 jul 2025Ser um colecionador de perfumes é viver em eterna contradição: é ter o coração dividido entre a razão do espaço e a emoção das notas. É saber que um só corpo não consegue usar todos os frascos que a alma deseja — e ainda assim, desejar mais um.
A delĂcia começa no frisson da descoberta. É abrir uma caixa como quem desvenda um segredo antigo. É borrifar no ar e sentir que aquele acorde floral, amadeirado ou gourmand fala com alguma memĂłria escondida — um verĂŁo da infância, um beijo inesperado, um abraço que já foi casa. É mágica lĂquida.
Mas junto da euforia vem a dor. A prateleira que já nĂŁo comporta mais um vidro. O arrependimento tardio de um blind buy precipitado. A ansiedade de ver aquele flanker amado ser descontinuado. Ou pior: o dilema cruel entre borrifar sem dĂł e vĂŞ-lo acabar, ou guardá-lo como relĂquia e deixá-lo morrer sem uso.
Colecionar perfumes é, também, aceitar que o olfato muda, que o amor por um cheiro pode ser intenso hoje e indiferente amanhã. É ver uma fragrância que um dia arrancou suspiros passar desapercebida — e outra, esquecida no fundo da estante, renascer com a força de um reencontro.
Há vaidade, sim, mas há sobretudo sensibilidade. Quem coleciona perfumes coleciona tambĂ©m sensações, histĂłrias e estados de espĂrito. NĂŁo se guarda apenas frascos — se guarda tempo em forma de aroma.
E por mais que Ă s vezes doa — o bolso, o apego, o excesso — Ă© uma dor doce. Porque poucas coisas neste mundo sĂŁo tĂŁo Ăntimas, tĂŁo instintivas e tĂŁo poderosas quanto um cheiro que nos escolhe.
No fim, ser colecionador Ă© isso: nĂŁo se contentar com o mundo visĂvel. É querer sentir na pele o que nĂŁo se explica com palavras. E carregar, em cada frasco, um pedaço invisĂvel de quem se Ă©.
É aprender que perfume não é só vaidade — é linguagem. É como dizer “eu estou aqui” sem abrir a boca. É contar ao mundo, em silêncio, quem somos, o que amamos e até quem desejamos.
Ser colecionador é nunca sentir que a coleção está completa. É viver com a deliciosa sensação de que o próximo perfume pode ser o tal — aquele que vai te traduzir melhor do que qualquer palavra.
E Ă© nesse vĂcio perfumado que moram as alegrias mais singelas. Um novo frasco na prateleira. Um elogio inesperado. A troca com outros apaixonados. A certeza de que, ao menos nesse universo aromático, vocĂŞ se reconhece. VocĂŞ se encontra. VocĂŞ se sente vivo.